Gado avança pela rodovia PA-270, entre Água Azul e Xinguara, no Pará, um dos eixos do desmatamento no Estado (foto Folhapress)
POR CAETANO SCANNAVINO
O meio ambiente não é nem deve ser exclusividade dos ambientalistas ou Ongs, que também não desejam isso. O fato é que todos pedem #VetaDilma: empresários, advogados, redes sociais, o relator do Código, este que escreve e 80% da população brasileira, segundo as pesquisas de opinião.
Uma razão a mais para que esta discussão não seja vista ou reduzida a um mero embate entre ambientalistas e ruralistas. Enxergar todos os ecologistas como travas do desenvolvimento ou todos os agricultores como inimigos da natureza só ajuda a ofuscar o debate do mérito do que poderia vir a ser um novo Código Florestal para o país. Em outras palavras, a oportunidade que se tem para pensar as escolhas do Brasil que queremos nesse século 21.
Sem as florestas e seus serviços ecossistêmicos, não tem agricultura. A Amazônia, por exemplo, evapora diariamente 20 bilhões de toneladas de água doce, que seguem regiões afora na forma de rios voadores, tornando férteis as terras do sul do país e de outras nações.
Em uma nação com dimensões continentais, tem-se a obrigação de saber conciliar floresta e agricultura, lembrando ainda do imenso potencial para melhorar a eficiência de ambas.
Louva-se a produção em larga escala de alimentos e outros produtos do agronegócio brasileiro, importantes também para nossa balança comercial. No entanto, a busca por níveis de excelência permanece um desafio, que não pode se acomodar na alta disponibilidade de áreas agriculturáveis de nosso país, tampouco na expansão da fronteira agrícola para zonas florestadas motivada pelo baixo preço das terras.
Segundo dados da FAO, nossa produtividade média por hectare de todos os cereais coloca o Brasil apenas no 56o posto no ranking mundial –no caso do milho, ocupamos a 64o posição; do trigo, a 72o; do arroz, a 37o, atrás de países como Somália e Ruanda; na pecuária de corte, 48o posição (Gerson Teixeira, EcoDebate, 2011). Portanto, há todavia muito por fazer, isto sem falar na necessidade de programas mais efetivos, sejam infraestruturais ou de assistência técnica, no apoio ao pequeno agricultor e à qualificação da produção familiar.
Nas últimas duas décadas, o Brasil foi o país que mais devastou, tendo como principal indutor a conversão de áreas vegetadas da Amazônia para atividades agropecuárias (FRA; FAO,2010), com o agravante do alto percentual de abandono por se tratarem de solos com aptidão florestal, além da baixa agregação de valor desses produtos –vide o comércio de grãos in natura ou a exportação de bois vivos (ou mercado do boi em pé, onde o Pará lidera o ranking nacional).
A manutenção da floresta em pé não conseguiu competir com os ganhos de curto-prazo, que inevitavelmente trarão custos às gerações futuras. Muitos dos processos de ocupação ocorreram de forma excludente e ilegal, acarretando conflitos sociais e a apropriação de bens públicos para fins privados.
Por outro lado, há de se reconhecer avanços nos últimos anos, como criação de novas áreas protegidas, a exigência da regularização fundiária e ambiental dos empreendimentos; o embargo ao uso econômico de áreas desflorestadas ilegalmente; a adoção de critérios de sustentabilidade na avaliação de créditos bancários; a corresponsabilização das cadeias produtivas, entre outras medidas que contribuíram para reduzir a taxa de desmatamento sem com isso comprometer a produção rural nacional, que continuou aumentando.
A maturidade crescente da nossa sociedade resultou também em um diálogo mais pragmático e intersetorial –reunindo governos, Ongs, movimentos sociais e segmentos do agronegócio–, culminando em acordos como o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a Moratória da Soja, o Pacto da Pecuária, entre outras iniciativas visando fortalecer a responsabilidade socioambiental dos empreendimentos.
Há alguns anos, era (e ainda é) consenso de todos a necessidade de ajustes no Código Florestal, datado de 1965, na expectativa de adequá-lo aos tempos atuais. Coube ao nosso Congresso a tarefa de modernizá-lo. No entanto, como bem lembra a CPT em nota, a Frente Parlamentar Agropecuária é formada por 268 deputados, 52,24% do total dos 513 eleitos, enquanto nossa população rural é de apenas 16%. Isto incluindo os pequenos produtores, longe de se sentirem parte desta bancada, mais voltada aos interesses das médias e grandes propriedades –que perfazem apenas 9,12% dos estabelecimentos rurais, embora ocupem 78,58% do total das áreas.
Com tamanha distorção, o que deveria ser um Código Florestal acabou se tornando um Código Agrícola, comprometendo os avanços recentes, a busca de maior eficiência dos setores e a aplicação de uma legislação florestal moderna. Enfim, o novo código é mais do mesmo que tornou o Brasil a sexta economia mundial, embora com a terceira pior distribuição de renda do Planeta (índice Gini, PNUD, 2011).
O que deveria ser disseminado para se tornar predominante acabou enfraquecido. É o caso das experiências até então bem-sucedidas que conciliam a conservação e a produção, como as de Paragominas/PA (que estimulou o Programa Municípios Verdes) ou dos produtores rurais engajados na Campanha Y Ikatu Xingu, entre outros exemplos de agricultura responsável e sustentável.
Compreender as florestas como improdutivas é de um passado que o futuro da nação não quer mais. Mesmo ainda com todas as dificuldades metodológicas para se valorar os benefícios florestais, o PNUMA calcula que a retenção de gás carbônico pela biomassa vale algo em torno de US$ 3,7 trilhões; a biodiversidade para a produção de alimentos, fibras, óleos e polinização da agricultura é estimada em US$ 190 bilhões anuais; para a inovação médica e a renovação genética, vitais para o agronegócio e a indústria farmacêutica, as florestas movimentam mais US$ 640 bilhões.
Foi-se a oportunidade de um código moderno, contemplando mesmo que de forma preliminar os serviços ambientais, a repartição justa dos benefícios da biodiversidade, entre outras medidas que poderiam impactar o nosso PIB e encaminhar um outro modelo de desenvolvimento, mais limpo, eficiente e inclusivo, com todas as possibilidades ainda de liderar a produção de alimentos.
Não se pretende aqui defender a mercantilização das florestas ou a cultura regulada do pagar para poluir –em termos éticos, ativos ligados a vida não podem ser justificados apenas pela consistência econômica. No entanto, o exercício de valoração da biodiversidade e de seus serviços pode apresentar parâmetros importantes para os tomadores de decisão, com instrumentos mais adequados de mensuração do que precisa ser gerenciado.
Contribuiria ainda na aplicação de novos mecanismos de financiamento da conservação que vêm sendo discutidos pela comunidade internacional, como o Fundo Verde e o REDD+ (Reduções das Emissões por Desmatamento e Degradação), que teria o Brasil e outras nações detentoras de ativos naturais como beneficiárias de recursos de compensação, já que os serviços ecossistêmicos geram benefícios globais, embora os custos de conservação ainda sejam arcados localmente.
A Amazônia reforçaria seu papel estratégico para o país. Uma região que anseia por desenvolvimento, cuja população testemunha há décadas a extração de riquezas sem que sejam convertidas em benefícios para seus quase 25 milhões de habitantes. Ao invés de estimular a expansão de novas fronteiras, o adensamento das zonas já alteradas deveria ser priorizado, com maiores investimentos em serviços, infraestrutura (transportes, saneamento, energia etc), tecnologia, tornando mais atrativo os empreendimentos produtivos nessas regiões.
Já nas zonas preservadas –estas de baixa densidade populacional– é imprescindível a presença do Estado com estratégias socioambientais que resgatem a vocação florestal e viabilizem o bem estar do povos tradicionais que ali habitam.
A distribuição equitativa dos benefícios da biodiversidade é um conceito cada vez mais aceito na comunidade internacional. No entanto, ainda demandará alguns anos para concretização de acordos, regulamentações e mecanismos indutores do desenvolvimento sustentável.
Em uma época de aquecimento global –quando as riquezas determinantes para o Planeta começam a mudar de cor, do ouro negro do petróleo no século passado para o ouro verde da floresta em pé–, ser o país detentor da maior extensão de florestas tropicais do mundo, além da grande responsabilidade, é também um privilégio exclusivo desta nação.
As escolhas do Brasil no que tange a sua política socioambiental poderão determinar não apenas o estabelecimento de novos paradigmas de desenvolvimento para o país como também sua liderança no âmbito internacional para um futuro mais harmônico, equilibrado e sustentável de nosso Planeta.
Sem medo do futuro, #VetaDilma!
Caetano Scannavino é dirigente da ONG Projeto Saúde e Alegria, de Santarém/PA
www.saudeealegria.org.br/