Uma segunda moeda agora pode?
11/07/12 00:15POR JOAQUIM MELO
Já existia em outros lugares. Esses dias chegou em Fortaleza com carga pesada: “Dotz: a sua segunda moeda”. Assim está divulgado,em vários Estadosdo Brasil, no horário nobre da televisão, em enormes outdoors nos aeroportos, em cartazes fixados em centenas de estabelecimento comerciais.
Dotz, sua segunda moeda, simplesmente assim. Não é dito quem é o dono, quem administra, a quem ela beneficia. O máximo que a ostensiva propaganda anuncia é que você pode ganhar Dotz comprando nas lojas credenciadas e trocar essa sua “segunda moeda” por produtos em vários estabelecimentos.
Claro, a pretendida segunda moeda dos brasileiros (com grafia estrangeira) é um imenso programa de fidelização, que o proprietário (desconhecido do grande público) utiliza para auferir lucro a cada compra que você faz.
Essa história inquieta de maneira particular o Banco Palmas (1998), primeiro banco comunitário do Brasil criado no Conjunto Palmeira, um bairro popular da periferia de Fortaleza, que idealizou a moeda Palmas, à qual denominamos “moeda social local circulante”.
Como o próprio nome expressa, essa moeda social, de circulação restrita ao bairro (e lastreada em reais), tem como único objetivo o desenvolvimento socioeconômico da comunidade, uma vez que serve para estimular o consumo nos empreendimentos locais.
Seu “dono” é a própria comunidade representada por um banco comunitário, administrado por uma entidade de natureza associativa e comunitária, que vem identificada na própria moeda, com nome, endereço e telefone.
Ao mesmo tempo, Palmas não reivindica ser uma “segunda moeda”, pois, para isso, teria que reconhecer que existiria uma primeira com sua semelhança.
O Brasil não precisa de uma outra moeda. A que nós temos (os reais) já nos basta. Ela cumpre bem o papel para a qual foi criada (comprar, poupar, acumular, aplicar, especular…).
As moedas sociais circulantes dos bancos comunitários não têm esses propósitos, não objetivam lucro, nem se consideram uma moeda paralela. Elas são um ativo de caráter econômico e pedagógico, que traz em si os valores de uma outra economia (a economia solidária) e buscam, através dos laços de cooperação entre os moradores, ajudar na criação de redes locais, onde todos na comunidade ganham quando produzem e consomem uns dos outros, ao contrário do Dotz, que afirma ser uma moeda que você “ganha sem ter que trabalhar”, segundo o Google.
Por último, temos por obrigação histórica relembrar o fato de em 2003 o Banco Central ter processado criminalmente o (pequeno) Banco Palmas por ter criado a moeda Palmas, segundo eles, uma moeda paralela.
Ainda em 2011 o Ministério Público, através de um processo administrativo, pediu explicações ao Banco Palmas sobre o funcionamento e a legalidade dessa moeda.
E o Dotz, pode? Vale fazer uma campanha nacional, ostensiva e escancarada nos meios de comunicação, afirmando ter se criado uma segunda moeda? Pode se ganhar dinheiro “vendendo” uma segunda moeda?
A palavra fica com a autoridade monetária. Talvez o primeiro passo seja perguntar ao dono do Dotz (judicialmente, é claro!): Quem o autorizou a fazer essa moeda paralela.
Não foi assim com a gente…
João Joaquim de Melo Neto Segundo é coordenador do Banco Palmas e do Instituto Palmas.
www.bancopalmas.org.br