Sem medo do futuro, #VetaDilma!
18/05/12 07:00POR CAETANO SCANNAVINO
O meio ambiente não é nem deve ser exclusividade dos ambientalistas ou Ongs, que também não desejam isso. O fato é que todos pedem #VetaDilma: empresários, advogados, redes sociais, o relator do Código, este que escreve e 80% da população brasileira, segundo as pesquisas de opinião.
Uma razão a mais para que esta discussão não seja vista ou reduzida a um mero embate entre ambientalistas e ruralistas. Enxergar todos os ecologistas como travas do desenvolvimento ou todos os agricultores como inimigos da natureza só ajuda a ofuscar o debate do mérito do que poderia vir a ser um novo Código Florestal para o país. Em outras palavras, a oportunidade que se tem para pensar as escolhas do Brasil que queremos nesse século 21.
Sem as florestas e seus serviços ecossistêmicos, não tem agricultura. A Amazônia, por exemplo, evapora diariamente 20 bilhões de toneladas de água doce, que seguem regiões afora na forma de rios voadores, tornando férteis as terras do sul do país e de outras nações.
Em uma nação com dimensões continentais, tem-se a obrigação de saber conciliar floresta e agricultura, lembrando ainda do imenso potencial para melhorar a eficiência de ambas.
Louva-se a produção em larga escala de alimentos e outros produtos do agronegócio brasileiro, importantes também para nossa balança comercial. No entanto, a busca por níveis de excelência permanece um desafio, que não pode se acomodar na alta disponibilidade de áreas agriculturáveis de nosso país, tampouco na expansão da fronteira agrícola para zonas florestadas motivada pelo baixo preço das terras.
Segundo dados da FAO, nossa produtividade média por hectare de todos os cereais coloca o Brasil apenas no 56o posto no ranking mundial –no caso do milho, ocupamos a 64o posição; do trigo, a 72o; do arroz, a 37o, atrás de países como Somália e Ruanda; na pecuária de corte, 48o posição (Gerson Teixeira, EcoDebate, 2011). Portanto, há todavia muito por fazer, isto sem falar na necessidade de programas mais efetivos, sejam infraestruturais ou de assistência técnica, no apoio ao pequeno agricultor e à qualificação da produção familiar.
Nas últimas duas décadas, o Brasil foi o país que mais devastou, tendo como principal indutor a conversão de áreas vegetadas da Amazônia para atividades agropecuárias (FRA; FAO,2010), com o agravante do alto percentual de abandono por se tratarem de solos com aptidão florestal, além da baixa agregação de valor desses produtos –vide o comércio de grãos in natura ou a exportação de bois vivos (ou mercado do boi em pé, onde o Pará lidera o ranking nacional).
A manutenção da floresta em pé não conseguiu competir com os ganhos de curto-prazo, que inevitavelmente trarão custos às gerações futuras. Muitos dos processos de ocupação ocorreram de forma excludente e ilegal, acarretando conflitos sociais e a apropriação de bens públicos para fins privados.
Por outro lado, há de se reconhecer avanços nos últimos anos, como criação de novas áreas protegidas, a exigência da regularização fundiária e ambiental dos empreendimentos; o embargo ao uso econômico de áreas desflorestadas ilegalmente; a adoção de critérios de sustentabilidade na avaliação de créditos bancários; a corresponsabilização das cadeias produtivas, entre outras medidas que contribuíram para reduzir a taxa de desmatamento sem com isso comprometer a produção rural nacional, que continuou aumentando.
A maturidade crescente da nossa sociedade resultou também em um diálogo mais pragmático e intersetorial –reunindo governos, Ongs, movimentos sociais e segmentos do agronegócio–, culminando em acordos como o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a Moratória da Soja, o Pacto da Pecuária, entre outras iniciativas visando fortalecer a responsabilidade socioambiental dos empreendimentos.
Há alguns anos, era (e ainda é) consenso de todos a necessidade de ajustes no Código Florestal, datado de 1965, na expectativa de adequá-lo aos tempos atuais. Coube ao nosso Congresso a tarefa de modernizá-lo. No entanto, como bem lembra a CPT em nota, a Frente Parlamentar Agropecuária é formada por 268 deputados, 52,24% do total dos 513 eleitos, enquanto nossa população rural é de apenas 16%. Isto incluindo os pequenos produtores, longe de se sentirem parte desta bancada, mais voltada aos interesses das médias e grandes propriedades –que perfazem apenas 9,12% dos estabelecimentos rurais, embora ocupem 78,58% do total das áreas.
Com tamanha distorção, o que deveria ser um Código Florestal acabou se tornando um Código Agrícola, comprometendo os avanços recentes, a busca de maior eficiência dos setores e a aplicação de uma legislação florestal moderna. Enfim, o novo código é mais do mesmo que tornou o Brasil a sexta economia mundial, embora com a terceira pior distribuição de renda do Planeta (índice Gini, PNUD, 2011).
O que deveria ser disseminado para se tornar predominante acabou enfraquecido. É o caso das experiências até então bem-sucedidas que conciliam a conservação e a produção, como as de Paragominas/PA (que estimulou o Programa Municípios Verdes) ou dos produtores rurais engajados na Campanha Y Ikatu Xingu, entre outros exemplos de agricultura responsável e sustentável.
Compreender as florestas como improdutivas é de um passado que o futuro da nação não quer mais. Mesmo ainda com todas as dificuldades metodológicas para se valorar os benefícios florestais, o PNUMA calcula que a retenção de gás carbônico pela biomassa vale algo em torno de US$ 3,7 trilhões; a biodiversidade para a produção de alimentos, fibras, óleos e polinização da agricultura é estimada em US$ 190 bilhões anuais; para a inovação médica e a renovação genética, vitais para o agronegócio e a indústria farmacêutica, as florestas movimentam mais US$ 640 bilhões.
Foi-se a oportunidade de um código moderno, contemplando mesmo que de forma preliminar os serviços ambientais, a repartição justa dos benefícios da biodiversidade, entre outras medidas que poderiam impactar o nosso PIB e encaminhar um outro modelo de desenvolvimento, mais limpo, eficiente e inclusivo, com todas as possibilidades ainda de liderar a produção de alimentos.
Não se pretende aqui defender a mercantilização das florestas ou a cultura regulada do pagar para poluir –em termos éticos, ativos ligados a vida não podem ser justificados apenas pela consistência econômica. No entanto, o exercício de valoração da biodiversidade e de seus serviços pode apresentar parâmetros importantes para os tomadores de decisão, com instrumentos mais adequados de mensuração do que precisa ser gerenciado.
Contribuiria ainda na aplicação de novos mecanismos de financiamento da conservação que vêm sendo discutidos pela comunidade internacional, como o Fundo Verde e o REDD+ (Reduções das Emissões por Desmatamento e Degradação), que teria o Brasil e outras nações detentoras de ativos naturais como beneficiárias de recursos de compensação, já que os serviços ecossistêmicos geram benefícios globais, embora os custos de conservação ainda sejam arcados localmente.
A Amazônia reforçaria seu papel estratégico para o país. Uma região que anseia por desenvolvimento, cuja população testemunha há décadas a extração de riquezas sem que sejam convertidas em benefícios para seus quase 25 milhões de habitantes. Ao invés de estimular a expansão de novas fronteiras, o adensamento das zonas já alteradas deveria ser priorizado, com maiores investimentos em serviços, infraestrutura (transportes, saneamento, energia etc), tecnologia, tornando mais atrativo os empreendimentos produtivos nessas regiões.
Já nas zonas preservadas –estas de baixa densidade populacional– é imprescindível a presença do Estado com estratégias socioambientais que resgatem a vocação florestal e viabilizem o bem estar do povos tradicionais que ali habitam.
A distribuição equitativa dos benefícios da biodiversidade é um conceito cada vez mais aceito na comunidade internacional. No entanto, ainda demandará alguns anos para concretização de acordos, regulamentações e mecanismos indutores do desenvolvimento sustentável.
Em uma época de aquecimento global –quando as riquezas determinantes para o Planeta começam a mudar de cor, do ouro negro do petróleo no século passado para o ouro verde da floresta em pé–, ser o país detentor da maior extensão de florestas tropicais do mundo, além da grande responsabilidade, é também um privilégio exclusivo desta nação.
As escolhas do Brasil no que tange a sua política socioambiental poderão determinar não apenas o estabelecimento de novos paradigmas de desenvolvimento para o país como também sua liderança no âmbito internacional para um futuro mais harmônico, equilibrado e sustentável de nosso Planeta.
Sem medo do futuro, #VetaDilma!
Caetano Scannavino é dirigente da ONG Projeto Saúde e Alegria, de Santarém/PA
www.saudeealegria.org.br/
80% da população corresponde a 152 milhões de brasileiros. Onde foi divulgada esta pesquisa?
Prezado Ricardo,
Links a vontade (há muito mais, é só procurar):
http://seculo-diario.jusbrasil.com.br/politica/7153694/datafolha-80-da-populacao-sao-contra-mudancas-propostas-para-codigo-florestal
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticias/brasileiros-desaprovam-novo-codigo-florestal-datafolha-aldo-rebelo-630856.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/929142-datafolha-indica-que-80-rejeitam-corte-de-protecao-a-matas.shtml
Obrigado pelo artigo sr caetano. Concordo completamente com as ideias de produção agrícola sustentável contidas nele. O ser humano precisa justificar sua auto-denominacao de “ser racional” e nao se deixar levar pelo egoísmo de produzir alimentos a custa dos recursos naturais que afinal também pertencem as gerações futuras. Algumas pessoas se equivocam a ‘louvar’ a produção em escala, alegando que eh um método barato de produzir alimentos. Eu discordo totalmente desse argumento. Ha uma ilusão de que esse tipo de produção seja mais barata pois em geral nao enxergamos os custos referentes a contaminação ambiental e prejuízos a saúde humana que ela acarreta para sociedade. Ainda, os métodos de criação dos animais nesse sistema sao em geral anti-eticos e imorais. Portanto, como o sr tambem me junto ao #VetaDilma
Eu que agradeço, Josefino. É isso aí, florestas e agricultura podem ser conciliadas. Com bom senso, equilíbrio, responsabilidade e um pouco de ousadia (no bom sentido), o futuro que já é de todos poderá ser para todos. Abs
O articulista é do Para, e por isso se compreende que veja o Código Florestal como legislação para florestas, e não para a agropecuária como um todo. Fala sobre teses climatológicas que não são consagradas por climatologistas de renome. Diz implicita e erroneamente que o Código autoriza desmates. Critica a produtividade agrícola sem discutir que os custos maiores advindos das novas exigências do Código aumentarão o problema. Critica o país por grandes devastações nas últimas décadas, mas omite que é o único em que se exige Reserva Legal. Procura confrontar pequenas e grandes propriedades, sem dizer que o Código procura proteger justamente os menores. Fala em retenção de CO2 pela biomassa: onde isso é maior: em floresta em climax ou em lavouras?
Enfim: há mesmo muito o que discutir. No entanto, o tema Veta Dilma é absurdamente simplista e panfletário.
Prezado Luiz,
Sim, um Código Florestal inserido no conjunto de nossas leis e regulamentos deve contemplar a agropecuária. Só isso em 1965 era até compreensível, mas quase 50 anos depois, nada mais além disso é uma grande perda de oportunidade.
Qto aos demais comentários, fica dificil responder pq fogem da lógica comum, como não considerar “renomados” os irmãos Antônio e Carlos Nobre (assim como outros pesquisadores premiados mundo afora) que corroboram com o disposto no txt. Lembro ainda que até os céticos, cada vez mais minoritários (alguns inclusive aproveitam isso para aparecer na Tv) estão voltando atras.
E justamente por morar no Pará, posso falar que um Código que afrouxa a proteção ambiental e anistia os ilegais (recentes) induz sim aos desmates. Se fosse bom para os pequenos, os movimentos sociais que os representam não estariam a favor do veto.
Sobre o novo Código aumentar o custo dos alimentos, está correto. Se quisesse me basear na sua linha de pensamento: Então pq mudá-lo? Justamente para vender mais caro? Mas não é nada disso, pq não podemos mais pensar no curto prazo. O PL aprovado pode sim elevar os preços no longo prazo pq comprometerá as florestas e seus serviços ecossistêmicos, água,…fundamentais para agricultura.
Como já escrevi no artigo, tenho ciência da necessidade de adequação do Código de 1965 ao tempos atuais. O problema é que o Projeto aprovado está muito longe disso. Sei tb das dificuldades de uma lei entrar de um dia para o outro mudando a reserva legal de 50% para 80%, da pouca agilidade nos processos de regularização, da necessidade de incentivos mais adequados para ganhos de produtividade, de inovação tecnológica, de melhorias na infra, no escoamento, na agregação local de valor… enfim, de muita coisa que precisa ser feita para resolver os gargalos da produção. Mas repito que as soluções que todos precisam não são estas dispostas no novo Código.
Num ponto concordamos, há mesmo muito a discutir.
Abraços
Caetano, o parabenizo pelo seu artigo, que ilustra bem as perdas que teremos com as mudanças sendo propostas para o Código Florestal. Seus números mostram fatos que passam desapercebidos para muitos, como a predominância de proprietários rurais na Câmara dos Deputados, o que suscita a possibilidade de defenderem interesses pessoais e não o anseio da população brasileira.
Seus dados, Caetano, sobre a produção de água advinda das florestas amazônicas são defendidas por cientistas de renome, o que anula os falsos argumentos do comentarista anterior que parece compactuar com este pensamento ruralista.
Aliás, escrevi um artigo neste mesmo Blog que recebeu mais de 20 comentários a favor do novo Código Florestal Parecia encomenda… mas respondi todos e ninguém contestou. Caso queira conferir, o link é: http://empreendedorsocial.blogfolha.uol.com.br/2012/05/03/codigo-florestal-o-bode-foi-colocado-no-nosso-ambiente-e-ficou/
Prezada Suzana,
Li seu excelente artigo e confesso que acabei escrevendo este inspirado no seu txt. Parabéns e obrigado!
Muito bom artigo Caetano! Mas é claro que o Código Florestal é legislação para florestas, aliás para proteção das florestas, dos serviços ambientais que a megabiodiversidade braslieira disponibiliza, da água, etc…Infelizmente o que vemos é a ganância de uma elite oligárquica ruralista querendo ditar as regras no país, parte deste processo que Galeano tem chamado de a Nova Ordem Criminosa do Mundo (recomendo o documentário: http://www.youtube.com/watch?v=GYHMC_itckg). Um absurdo que tem que ser combatido pelas pessoas de bom senso. Concordo que não é o caso de um embate entre ambientalistas e ruralistas, mas uma luta contra as injustiças da sociedade sejam elas voltadas à construção de desigualdades, ou mesmo aquelas que buscam transformar a natureza para atender a ganância econômica de poucos.
Obrigado, Carlos. Estamos de pleno acordo. Qdo melhorar minha conexão, com certeza verei o documentário. Forte abraço!
Bom texto Caetano. Goethe dizia que “o erro vem mais por imperícia do que má fé”. No caso do código fico em dúvida… Mas Einstein ao afirmar que “é mais fácil quebrar um átomo que um preconceito”, talvez explique porque a agropecuária brasileira tenta eternizar um erro já percebido no Brasil Colônia, e descrito de forma simplesmente genial por Euclides da Cunha em Os Sertöes. Escrevi p Dilma ler aquilo. O capítulo Como se faz um deserto é uma maravilhosa aula para qualquer doutor, e explica como o erro comecou com “incêndio” e “ganância”. Assim com fazemos hoje… Este PMDB deveria mudar de nome pois envergonha e ofende grandes nomes que já teve. Veta tudo!
Belas palavras, Paulo! Sugiro que vc envie essa biblioteca ao nosso Congresso. Obrigado e um grande abraço!
Parabenizo pelo artigo, muito ponderado e racional.
É triste perceber que a democracia representativa brasileira não representa os interesses da maioria da população, mas sim de pequenos grupos com grande capacidade de exercer sua influência nos processos decisórios do país. Quando será que conseguiremos implantar o sistema de financiamento público de campanhas? Não sou inocente em achar que só este instrumento poderia resolver o problema, mas é um bom primeiro passo.
É verdade, Paulo. Com o Congresso atual, um veto total poderia ser derrubado, assim como o veto parcial (a MP vai ser votada só depois da Rio+20, com menos pressão e negociações eleitorais aquecendo). Mas temos todo um futuro pela frente, então, se é a gente que elege, as mudanças ainda dependem de nós (inclusive a reforma política). Temos que lembrar bem disso na hora das urnas! Abraços
Obrigado pelo elogio. Pro Congresso näo envio näo, mas p vc dou a dica que me serviu e serve: A filosofia da liberdade do R. Steiner. Veja que o papo da agricultura orgância surgiu com ele, e a sacada de criar outro método científico como alternativa a este täo globalizado que gera coisas tipo nosso código, talvez näo existiria sem ele. O tal livro ensina como é possível quebrar este círculo vicioso täo comum, no qual a gente vê uma realidade e interpreta outra. No fundo o método vem através da coerência entre a percepcäo e o pensar. É prático, apesar de filosófico… e vale mesmo a pena. Garanto que é novo!
É por aí, Paulo. O futuro tá aí: hora de benefícios maiores ao coletivo do que ao individuo, da cooperação em detrimento da competição a qualquer custo, e da felicidade pelo bem-estar ao invés do mero consumo. Abraços
Um dos pontos graves desse novo Código é a penalização de quem respeitou a lei até então. Muitos produtores e proprietários a respeitaram por gerações um patrimônio que é de todos os brasileiros. E agora?
ótimo artigo, abraços
Salve Ricardo! É mesmo triste: o “legal” é penalizado, e o “ilegal” anistiado. Abraços