Quem se dispõe a financiar um programa de adaptação das famílias do semiárido às adversidades do clima?
20/04/12 20:50Por José Dias
Muitos se têm refletido, sobretudo, no âmbito da sociedade civil, que a solução para vida digna e sustentável no semiárido passa pela convivência com a realidade semiárida. Essa, inclusive, tem sido a abordagem do Cepfs (Centro de Educação Popular e Formação Social) nos mais de 25 anos de atuação no semiárido da Paraíba.
Essa abordagem aposta na ideia de que o fortalecimento da agricultura familiar, na região semiárida, passa pela estruturação das propriedades, com iniciativas técnicas, de baixo custo, aproveitando os potenciais diferenciados que a natureza oferece em cada propriedade.
Esse enfoque revela que há necessidade de iniciativas de gestão difusa, principalmente no campo da captação e manejo da água na propriedade, para atender demandas difusas, ou seja, que sejam iniciativas desenvolvidas com a efetiva participação das famílias beneficiárias de modo a permitir sua apropriação em relação à gestão, manutenção etc.
Sem dúvida, são experiências que já vem sendo desenvolvidas, com eficácia, em pequena escala –cisternas de placa adequadas às especificidades físicas e climáticas dos territórios; sistemas de bombeamento adequados para inclusão de toda família no processo de gerenciamento das estruturas (bomba aro-trampolim); sistemas de captação de água de chuva em margens de estradas; tanques de lajedo; sistemas de aumento de eficiência na irrigação; sistemas de qualificação da água para consumo humano; técnicas para redução do desperdício no uso da água na produção; cisternas com sistemas de bóias para lavagem do telhado; barragens subterrâneas etc.–, aliadas com atividades educativas que possam gerar novos valores em relação ao uso dos recursos naturais. Inclui-se aqui também a estruturação de bancos de sementes de espécies agrícolas e florestais, reflorestamentos, a partir de processos de agroecologia.
Essas iniciativas necessitam serem ampliadas por políticas públicas que se voltem para o fortalecimento da agricultura familiar a partir de projetos de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, considerando, fundamentalmente, os potenciais naturais e ocacionais de cada região, de cada propriedade.
Nesse contexto, levanta-se como importante a realização de um estudo que possa ofertar informações seguras de qual a estrutura básica necessária para que uma família, focada na agricultura familiar, com um número médio de pessoas e, uma média de hectares, por propriedade, possa atravessar uma seca (estiagem prolongada) tendo água para o consumo humano, para as necessidades gerais da casa (lavar roupa, tomar banho, cozinhar), para a produção e para dessedentar os animais, sem necessitar de abastecimento através de carros-pipa.
Nesse contexto, perguntas surgem: quem se dispõe a financiar um estudo dessa natureza? Quem pode ofertar um estudo dessa natureza? Os centros acadêmicos?
Sem dúvida, a extração desses elementos, por meio de um processo participativo, com a interação do saber técnico com o saber tradicional, constitui-se um componente fundamental para subsidiar uma política de adaptação às mudanças climáticas a partir da estruturação das propriedades da agricultura familiar, por meio de obras difusas para atingir a segurança hídrica.
Obviamente, uma política dessa natureza trará consigo a necessidade de constituição de um fundo de apoio a implementações, de tal modo a possibilitar condições de apoio as tecnologias sociais de acordo com os potenciais que possam existir em cada propriedade.
Novamente surgem a pergunta: quem terá interesse de apoiar a construção de uma política dessa natureza? Os governantes? A iniciativa privada?
Há que se avaliar se os gestores públicos têm realmente interesse na planificação de projetos de adaptação, no sentido real da palavra. Há variadas iniciativas, mas, talvez, além de serem isoladas não se constitui objeto de uma política governamental, na verdade não são trabalhadas nessa perspectiva, ou seja, de ampliar o poder que cada família tem de ter capacidade de enfrentar as adversidades advindas das mudanças climáticas.
Muitas das iniciativas com essa abordagem de adaptação têm nascido, mas, da parte das organizações da sociedade civil, em grande parte com o apoio do governo federal, como é o caso do
P1MC – Água para o consumo humano e do P1+2 – Água para a produção, ambos os programas geridos pela Articulação Semiárido Brasileiro – ASA Brasil, com o apoio financeiro do MDS.
Talvez alguns governos ainda vejam que a questão da adaptação passa por grandes obras como é a proposta da transposição das águas do Rio São Francisco que, na verdade, não assume essencialmente o contexto de adaptação, dentro de uma lógica de fortalecimento da agricultura familiar, com menos impactos ambiental.
Pelo contrário, trata-se de uma obra gigantesca, com impactos ambientais significativos e de gestão centralizada, incapaz de ser apropriada pelas famílias de agricultores e agricultoras, sobretudo, do ponto de vista de gestão.
Fica, portanto, a pergunta: quem teria interesse de financiar programas de adaptação das famílias da região semiárida às adversidades climáticas, dentro de um contexto real da palavra adaptação?
Estudos de aproveitamento das potencialidades do semiárido estão dispersos em várias partes do mundo. No Brasil instituições como a Embrapa e o Dnocs deveriam ser mobilizadas a contribuir na elaboração da resposta à pergunta em epígrafe. Produziram conhecimento e este não pode continuar adormecido.
Seguindo o exemplo do que aconteceu em polos de agricultura irrigada – como no vale do rio São Francisco – a iniciativa de governo abriu caminho para a iniciativa privada prosseguir com o aproveitamento do potencial daquela região do semiárido. Da mesma forma deveria acontecer em relação a espaços outros do semiárido, onde não há déficit hídrico e assim requerem um olhar próprio e soluções específicas.
O acúmulo de experiências existentes pode e deve potencializar propostas adequadas e sustentáveis no semiárido. No entanto, dadas às características e natureza do desafio, cabe ao poder público, por intermédio das instituições com expertise no assunto, estabelecer diálogo com as populações e entre si na perspectiva da construção de medidas apropriadas ao convívio sustentável do ser humano com o semiárido.
Embora eu nao esteja no semi árido e sim no suldoeste mineiro, estou me fazendo a mesma pergunta. tenho um terreno de meio alqueire com pomar que quero transformar num centro de divulgacao de técnicas sustentávéis como bio-construcao, agroecologia,permacultura,etc.
Como nao conheco órgaos oficiais que apoiam este tipo de iniciativa nao estou sabendo para quem enviar meu projeto.O município onde o terreno se encontra é pequeno e acho que poderia dar apenas uma pequena ajuda. Se alguém tiver uma idéia para onde devo enviar meu projeto , eu agradeço.Gilse.
Quando se fala em projetos, fala-se em custos, em muito tempo para sua elaboração e depois não são implementados. É preciso partir para a prática imediatamente. A costrução de barragens subterrâneas tem um custo baixíssimo(6 hs de retroescavadeira e 8 hs de mão de obra, mais alguns metros quadrados de lona plástica). As cisternas de concreto para coleta de agua da chuva tambem tem custo baixo mas precisam ter uma dimensão maior(65.000 ls), para uma familia de 4 pessoas.Para isso não se precisa de projetos. É só ter vontade politica. E meter mãos a obra.
Por que insistir em investimentos em sobrevivência no “semi”árido ? Seria muito mais racional abandonar as áreas com déficit hídrico e investir em regiões com maior produtividade . Afinal , essa deficiência hídrica é histórica .