Mumbai e a Rocinha – na mio ro ren gue kyo*
09/04/12 11:03Por David Hertz – Gastromotiva
Ao ler a manchete do jornal Folha de SP, na última sexta-feira (06/04), e ver a foto do PM reformado Osaide de Holanda Cavalcante, fiquei extremamente tocado pela história desse pai, que perdeu na seu filho, assassinado na Rocinha ao trabalhar como PM.
Para mim, é impossível imaginar a dor que esse pai sente. Rodrigo Alves Cavalcante, o PM que estava lá para cuidar da comunidade neste momento de transição, pode ter sido um daqueles com quem conversei rapidamente há duas semanas, quando tive uma das experiências mais significativas desses meus anos de viajante.
Eu cheguei na Rocinha com um novo amigo, que leva o budismo para esta comunidade. A hospitalidade e fé desse grupo de pessoas que me acolheu são tão genuínas que, para mim, foi impossível não fazer uma comparação entre a Rocinha e a Índia, ao andar pelas vielas e acompanhar os mantras recitados. Mumbai e quase todo o país, para quem conhece, sabe que em termos de pobreza e infraestrutura é igual a Rocinha. O que é diferente no Oriente, em termos gerais, é o valor que se dá à vida e às relações. Seja pelas religiões, pelos sistemas de castas, ou outros motivos ao qual eu não sou tão especialista, um ar de respeito, confiança e segurança está no ar. Estar vivo tem outro valor, é muito diferente daqui. A pobreza está mais espalhada e não isolada como no nosso país. Os valores estão mais enraizados.
O budismo promove o exercício de se auto-aprimorar. O objetivo maior de se praticar, em princípio, é a transformação pessoal. Ao cuidar de si, o indivíduo pode contribuir de forma positiva para que aquele lugar onde está seja um lugar melhor. Essa filosofia pode ser incorporada por todas as pessoas, em qualquer lugar. A situação que nos encontramos é resultado das nossas ações e de onde colocamos a nossa energia.
Por uma série de motivos e uma vontade imensa de replicar nossos projetos no Rio de Janeiro, quis conhecer a Rocinha e cheguei lá dessa forma inusitada. As pessoas que vivem nesse lugar, sobre o qual todos nós ouvimos falar desde criança, quer mudar. Um esforço coletivo pode durar anos, gerações, mas pode transformar. Vejo isso todos os dias e não conheço outro caminho para uma vida mais segura, feliz e criativa.
Para o senhor Osaíde e todos os que buscam transformar e construir uma nova sociedade, fica cada vez mais forte a necessidade de se desconstruir essa realidade em que vivemos e de revermos nossos valores e ações todos os dias. A mudança que a Rocinha precisa é a mesma que todos nós queremos, mas sem mais nenhuma perda, como a valiosa vida do jovem Rodrigo.
* Mantra budista conhecido como “Daimoku”. De acordo com os ensinamentos, sua recitação alinha nossas vidas com o Universo e, por meio dessa harmonia, desperta-se a Natureza de Buda.